Título: O Livro Tibetano dos Mortos
Editora: Pensamento
Páginas: 368
Resumo do livro O Livro Tibetano dos Mortos
Entre os textos mais profundos da espiritualidade humana, O Livro Tibetano dos Mortos — ou Bardo Thödol — ocupa um lugar singular. Muito mais do que um manual sobre a morte, trata-se de um guia sobre a consciência, a impermanência e o próprio sentido da existência. Compilado no século VIII por discípulos do mestre Padmasambhava, fundador do budismo tibetano, o texto foi transmitido oralmente por séculos antes de ser escrito. Sua função original era ser lido por monges durante os rituais funerários, servindo de orientação à alma do falecido na travessia entre a morte e o renascimento — o bardo, termo que significa estado intermediário.
O Bardo Thödol está inserido na tradição do budismo Vajrayana, um dos ramos mais simbólicos e meditativos do budismo, cuja ênfase está na transformação da mente e na libertação pela consciência. No Ocidente, ganhou notoriedade no século XX com a tradução de W. Y. Evans-Wentz e as leituras filosóficas de pensadores como Aldous Huxley e Carl Jung, que viram nele uma metáfora para o processo de dissolução do ego e expansão da consciência. Mais do que um texto religioso, O Livro Tibetano dos Mortos é uma obra literária, filosófica e psicológica — um verdadeiro espelho espiritual que ensina, através da morte, o valor de viver com lucidez.
O Livro Tibetano dos Mortos
O Bardo Thödol foi concebido como um manual de travessia espiritual. A leitura é feita por um monge ao ouvido do falecido durante 49 dias, número sagrado que representa sete ciclos de sete. Cada dia da leitura corresponde a um momento do processo pós-morte, e o texto contém instruções para que a consciência do desencarnado reconheça a natureza ilusória das visões que surgem e se liberte do ciclo do renascimento.
No entanto, essa travessia também se aplica à vida: o texto afirma que passamos por inúmeros bardos enquanto vivos — transições internas, mudanças de consciência, crises e renascimentos psicológicos. Assim, o que ele ensina para o momento da morte é, na verdade, um exercício de autoconhecimento aplicável a qualquer transformação humana.
“Teu corpo, sendo o corpo mental, é incapaz de morrer, mesmo decapitado e esquartejado. Na realidade, teu corpo é da natureza do vazio; não precisas termedo. Teu corpo de desejo é um corpo de propensões, e vazio. O vazio não pode ferir o vazio; aquilo que é desprovido de qualidade não pode ferir o que é desprovido de qualidade”
A obra se organiza em três grandes fases ou bardos principais, cada uma representando um nível de dissolução e de confronto com a mente.
O Momento da Morte
É o primeiro e mais importante estágio. O texto descreve com riqueza simbólica a dissolução dos cinco elementos — terra, água, fogo, ar e espaço — até o instante em que a consciência se depara com a Luz Clara Primordial, o brilho absoluto da mente iluminada. Neste momento, o indivíduo tem a maior oportunidade de alcançar o nirvana, reconhecendo essa luz como sua própria essência. Contudo, a maioria recua, tomada pelo medo e pela chamada Heresia da Separatividade — a ilusão de ser algo separado do Todo. Essa recusa é o primeiro passo para a continuidade do ciclo do renascimento.
As Ilusões e Projeções Mentais
Quando a Luz Primordial é rejeitada, a consciência entra num estado de inconsciência e, depois de alguns dias, desperta em meio a visões intensas. Aqui começam as aparições de divindades pacíficas e coléricas, manifestações simbólicas da mente. Durante os primeiros sete dias, surgem as divindades luminosas e serenas, representando virtudes como compaixão, amor e sabedoria — aspectos do coração. Se o falecido as reconhece como projeções da própria mente, liberta-se do bardo. Nos sete dias seguintes, aparecem as divindades iracundas: figuras aterrorizantes que simbolizam as paixões, os medos e os vícios não dominados. São as mesmas virtudes anteriores, agora vistas pela lente da mente egoica. O texto adverte que é preciso não temer essas visões, pois elas são ilusões criadas pelos próprios pensamentos.
Essa etapa é um verdadeiro drama psicológico e espiritual: o confronto do ser com sua própria sombra. É aqui que o Bardo Thödol se aproxima da psicologia moderna — especialmente da análise junguiana — ao tratar os deuses e demônios como arquétipos do inconsciente.
O Juízo e o Retorno
O terceiro estágio é o do renascimento. A consciência, ainda presa aos apegos e desejos, passa a formar imagens relacionadas à sua próxima encarnação. Surge então o Juízo Final, não como punição externa, mas como uma revisão interior em que o espírito vê, com total clareza, todas as suas ações e, sobretudo, as intenções que as motivaram. O texto ensina que o julgamento não é feito por um deus, mas pela própria consciência espiritual — o verdadeiro Senhor da Morte. Esse é o momento mais doloroso, pois o indivíduo percebe o quanto de sua vida foi movido por vaidade e egoísmo.
Entretanto, há uma possibilidade de salvação: se o falecido invocar seu nome interno, sua essência divina, o equilíbrio se restaura e ele é libertado do ciclo cármico. Caso contrário, o desejo de retornar à matéria o conduz ao renascimento. O lama, então, tenta guiá-lo para que “feche a porta do ventre” e escolha pais virtuosos, capazes de favorecer sua evolução.
“Aqueles que aprendem esta doutrina são de fato afortunados. Salvo para aqueles que acumularam muitos méritos e se livraram de muitas obscuridades, é difícil conhecê-la. Mesmo quando se conhece é difícil compreendê-la. A libertação será obtida simplesmente por não desacreditar nela depois de ouvi-la.”
A filosofia do Bardo Thödol parte da constatação de que tudo é impermanente — o corpo, a mente e as próprias emoções. A morte não é o fim, mas a continuidade de um processo de mudança constante. Aprender a morrer, portanto, é aprender a se desapegar. A libertação ocorre quando a consciência deixa de se identificar com formas passageiras e reconhece sua natureza essencial. O livro afirma que todas as experiências, visões e sensações após a morte são projeções mentais. Céus e infernos são estados da mente, não lugares físicos. Essa percepção é libertadora: ao compreender que tudo o que vê é criação própria, a consciência deixa de se prender ao medo. A realidade é um espelho, e o que se vê fora é reflexo do que está dentro.
Outro ensinamento essencial é o cultivo da consciência em vida. O texto orienta que o indivíduo examine constantemente suas motivações — pois são elas, e não apenas os atos, que determinam o destino após a morte. A mente deve ser treinada como um diamante: sólida, transparente e luminosa. Assim, os bardos da vida — as crises, os desafios e as transformações — tornam-se oportunidades de crescimento espiritual.
“Além disso, mesmo que te sintas apegado aos bens mundanos que deixaste para trás, ou, porque vês esses bens na posse de outra pessoa e sendo usufruídos por elas, se te sentires apegado a eles por fraqueza, ou sentires ódio pelos teus herdeiros, esse sentimento afetará o momento psicológico de tal modo que, mesmo que estivesse destinado a nascer nos planos superiores e felizes, serias obrigado a nascer no Inferno.”
Ao fim, O Livro Tibetano dos Mortos transcende o rótulo de texto religioso: é, ao mesmo tempo, poesia mística, filosofia e tratado psicológico. Ele fala da morte apenas para ensinar a viver. Ensina que tudo o que experimentamos — alegria, dor, medo ou desejo — é manifestação da mente; e que a libertação não está em fugir do mundo, mas em reconhecê-lo como espelho do próprio ser. Ler o Bardo Thödol é uma experiência transformadora. Ele convida o leitor a cultivar, ainda em vida, a serenidade diante da impermanência e a coragem de olhar para dentro de si. O ensinamento final é simples e imenso: a Luz Clara que encontramos na morte é a mesma que habita cada instante da vida. Reconhecê-la é despertar — e é nisso que o livro, mais do que um guia para os mortos, se torna um guia para os vivos.
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