Título: Um Defeito de Cor
Autora: Ana Maria Gonçalves
Editora: Record
Páginas: 947
Resumo do livro Um Defeito de Cor
Ao mudar-se para a Ilha de Itaparica, na Bahia, a autora afirma ter encontrado casualmente na casa de uma moradora local uma pilha de papéis velhos sobre os quais uma criança desenhava. No verso de cada folha era possível ver uma escrita feita com caneta tinteiro. Percebendo a importância histórica daqueles papéis, por reconhecer ali vários nomes, fatos e datas de importantes eventos históricos do Brasil do século XIX, ela negociou com a família e conseguiu esses documentos. Entre os fatos descritos e a história final desse livro existem lacunas, que a autora preencheu, segundo ela mesmo, ouvindo os sussurros de Kehinde.
Um Defeito de Cor – História
A história contada é de Kehinde, mulher negra nascida na África, especificamente no Reino de Daomé, atual Benin. Sua trajetória é igual a de muitos negros africanos do século XIX: sofreu com tensões internas entre os diversos reinos inimigos; foi vendida como escrava aos portugeses; transportada nos navios negreiros pelo Atlântico e se tornou escrava no Brasil. Mas Kehinde conseguiu vencer em sua trajetória. Comprou sua alforria, teve filhos, constituiu família e foi testemunha ocular de boa parte dos principais acontecimentos da história do país.
“Entre os pretos havia a ideia de tomar o poder e matar ou escravizar todos os que não fossem africanos, principalmente os crioulos. Mas mesmo entre os pretos havia desunião, quase sempre desde a África, por pertencerem a nações inimigas. Eles não entendiam que no Brasil precisavam se comportar de modo diferente, esquecendo a inimizade e ficando todos do mesmo lado. Não entendiam que provavelmente essa inimizade tinha sido culpada por se tornarem escravos, pois as nações em África brigavam entre si e os derrotados e prisioneiros eram vendidos para os comerciantes nos portos. Mesmo que não fossem inimigos de guerra, alguns pretos ainda era inimigos por causa de cultos ou por ciúmes de um grupo que fosse mais valorizado, como era o caso dos muçumirins. Isso era bem verdade, pois eu já tinha ouvido várias pessoas dizendo que os muçumirins, que alguns chamavam de malês, eram pretos traidores que não se davam com a própria raça por se acharem melhores que os outros, sendo também feiticeiros perigosos para os desafetos.”
Kehinde chegou sozinha ao Brasil, pois seus familiares haviam morrido na travessia. Logo foi vendida a uma família rica da Ilha de Itaparica e por lá viveu sua infância e início da adolescência. Lá vivenciou o que muito escravos viveram em nossas terras: açoitamentos, humilhações, trabalho desumano, e violência. Muita violência contra seres humanos que não eram vistos como tais. Na ilha, Kehinde foi vítima de outra atrocidade muito comum no Brasil escravista: ela foi violentada pelo seu senhor diversas vezes. O aparato psicológico da escravidão transformava qualquer violência contra os negros em algo natural na mente dos brancos. A “Sinhá” se importava mais em ter um filho de seu esposo do que ter ciência dos estupros cometidos por esse nas escravas da fazenda.
Kehinde aprendeu a fazer cookies com uma família inglesa e com o dinheiro da venda conseguiu comprar sua alforria. Logo constituiu família com um português chamado Alberto e teve o seu segundo filho. Durante esse período da vida de Kehinde, importantes fatos históricos ocorreram. D. Pedro I abdicou em favor de seu filho, Pedro Alcântara e diversos tratados e leis foram criadas para abolir o tráfico de escravos. No fim, como a própria Kehinde descobriu, essas leis, criadas após uma pressão da Inglaterra, funcionavam apenas para “inglês ver”.
“Foi com lágrimas nos olhos que ela disse que já estava velha, que não sabia fazer mais nada e que, àquela altura da vida, provavelmente não aprenderia, e só restava continuar servindo a uma sinhá. Em vez de ficar jogada pelas ruas, velha e mendigando, ela disse que preferia ficar cativa para o resto da vida, e se daria por muito satisfeita se a sinhá tivesse piedade e cuidasse dela na velhice, cedendo um teto e comida em nome dos bons serviços prestados.”
Sendo negra, ex-escrava, na Bahia de meados do século XIX, obviamente Kehinde participou de uma das mais importantes revoltas do Brasil Império: A Revolta dos Malês. Essa foi a maior revolta de escravos da história do Brasil e mobilizou cerca de 600 escravos que marcharam nas ruas de Salvador convocando outros escravos a se rebelarem contra a escravidão. A Revolta dos Malês, que ficou marcada pela grande adesão de africanos muçulmanos, acabou fracassando e os envolvidos foram duramente punidos.
Depois de fugir das perseguições, Kehinde viaja pelo Brasil em busca de seu filho, que foi vendido como escravo pelo seu ex-marido português. Vai para São Paulo, Santos, Rio de Janeiro e retorna para a Bahia para tentar uma nova vida em seu lugar de origem. Ela embarca novamente em um navio que atravessará o Atlântico, mas agora com destino à África. Tantas mudanças fizeram Kehinde também mudar, e já na fase madura de sua vida, ela se tornou uma comerciante de armas para os reis do Daomé que escravizavam seus inimigos para vender aos portugueses.
“Perguntei se ele tinha vergonha de mim, se teria vergonha do nosso filho, e ele disse que por ele não, mas que eu deveria saber que as pessoas não aceitavam muito bem o tipo de relação que tínhamos. Os brancos gostavam dos pretos apenas para servir e não queriam que tivessem os mesmos direitos, ou regalias, e mesmo um branco pobre seria muito mais considerado que um preto rico. Disse ainda que as coisas eram assim e por muito tempo ainda seriam.”
Um Defeito de Cor – Conclusão
O “defeito de cor” era um conceito exigido de liberação racial comum no século XIX. Na época, se configurava a racialidade nas questões positivistas, como se pessoas racializadas, indígenas e negras, pudessem ter na sua constituição biológica algo que fosse um defeito, como pouca inteligência, por exemplo. O livro é muito bom ao mostrar um Brasil que parece não existir: o Brasil real, da violência aos negros, do mando e desmando de ricos e poderosos. O Brasil do racismo e do preconceito. O Brasil que infelizmente ainda vive.
O livro, que completa 17 anos em 2023, é considerado um clássico da literatura afrofeminista brasileira e ganhou o importante prêmio literário Casa de las Américas, em 2007.
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Um Defeito de Cor
Até a próxima!