Título: Uma Tempestade
Autor: Aimé Césaire
Editora: Temporal
Páginas: 139
Resumo do livro Uma Tempestade
Aimé Césaire foi um poeta, dramaturgo, ensaísta, militante e líder político que, além de ter exercido um papel fundamental na tomada de consciência dos atores políticos e culturais do anticolonialismo, tornou-se um dos escritores proeminentes do século XX. Ele teve profícua atuação política e social na ilha de Martinica, onde nasceu e morreu. Martinica é um território ultramarino francês, e sua história de colônia francesa contribuiu para formar em Césaire a consciência de que as lutas anticoloniais e antirracistas deveriam acontecer. Todas as peças de Césaire têm em comum o fato de encenarem aspectos da história da escravidão, da colonização nas Américas e na África, dos processos de independência. Uma Tempestade é uma releitura da obra quase homônima de Shakespeare.
Uma Tempestade – História
A Tempestade, de Shakespeare, trata de legitimidade e usurpação. Na peça, Próspero, Duque de Milão, foi destronado e enviado para uma ilha, com sua filha Miranda, onde viviam apenas dois seres: Ariel e Calibã. Próspero libertou Ariel de sua prisão, e assim, este lhe devia gratidão. Ao contrário, Calibã ficou revoltado com Próspero, já que se sentia dono da ilha até a chegada do Duque. Próspero, utilizando a magia de Ariel, produziu uma tempestade com o objetivo de fazer com que o navio da corte de Nápoles ficasse encalhado na ilha, e assim poder se vingar de seu irmão, Antonio, que estava no navio e havia sido o responsável pela sua tragédia.
No final da peça, com todos reencontrando-se, Próspero desistiu da vingança. Ferdinand, filho do Rei de Nápoles, se apaixona por Miranda. No final, tudo acaba bem. Todos voltam à Europa, Próspero perde o seu poder mágico ao se afastar de Ariel, com a promessa de que os jovens se casem e ele recupere seu ducado. Se na peça elizabetana os brancos europeus assumem os papéis principais, e os nativos da ilha são apresentados como seres fantásticos, apartados da realidade, em Uma Tempestade, Aimé Césaire traz outra perspectiva.
“Calibã – Você não me ensinou absolutamente nada. Exceto, sem dúvida, a balbuciar sua língua para compreender suas ordens: corte a madeira, lave os pratos, pesque os peixes, plante os legumes; porque você é muito preguiçoso para fazer tudo isso. Quanto a sua ciência, será que me ensinou? Você se preservou bem disso.”
Na peça de Césaire, o foco principal está em Calibã. Esse personagem incorpora a luta pelos direitos dos negros e nativos, que se revolta contra a opressão do colonizador branco, interpretado por Próspero. Além disso, Ariel ganha uma outra importância: ele assume o lugar do mulato assimilado, figura emblemática das relações entre colonizados e escravizados. Ariel possui certas facilidades concedidas por Próspero, e nutre por esse uma eterna gratidão, uma vez que a posição assumida por Calibã a todo momento mostra a Ariel o que ele poderia ter sido caso não tivesse sido “salvo” pela bondade de Próspero.
A peça segue o roteiro do texto shakespeariano. Ariel e Próspero utilizaram mágica para fazer o navio da corte de Nápoles naufragar próximo à ilha. Os tripulantes se separaram e Próspero logo tramou uma reviravolta em seu desejo de vingança. Ele entendeu que casando sua filha Miranda com Ferdinand, filho do Rei de Nápoles, ele poderia voltar para sua terra natal e mais ainda, retomar o seu título de Duque de Milão. Ariel era subserviente e fez tudo o que Próspero pedia, preparava banquetes com deusas e ninfas, confundia através do álcool.
“Calibã – Me chame de X. Vai ser melhor. Como quem diz: o homem sem nome. Mais exatamente, o homem cujo nome foi roubado. Você fala de história. Bem, isso é história, e famosa! A cada vez que você me chamar, isso me lembrará o fato fundamental de que você me roubou tudo, até mesmo a minha identidade!”
Tudo ensaiado, Próspero disse à Ariel que cumpriria sua promessa, e a partir da partida do navio, ele, Ariel, seria um ser livre. Porém, com Calibã a conversa foi outra. Calibã se aproximou de Próspero com o desejo de se vingar. Ele queria se tornar, novamente, dono de sua ilha. Depois de dez anos de convivência violenta, Próspero propôs à Calibã que eles ficassem em paz, já que com a partida do navio, a ilha ficaria disponível para ele. Mas Calibã não queria paz. Queria liberdade.
E um denso diálogo foi travado entre Próspero e Calibã. O branco colonizador não se via como um usurpador, pelo contrário, ele se entendia como aquele que trouxe civilidade ao colonizado. Próspero disse que sem ele, Calibã não se tornaria o que se tornou. Na visão de Próspero foi ele que ensinara tudo o que Calibã conhecia, ouvia e falava. Eles iniciam uma verdadeira discussão sobre poder. Calibã finalmente entendeu que Próspero sempre foi o seu algoz. Ele nunca pediu a Próspero pelas coisas que recebeu. Ele era livre antes de Próspero, e o seu desejo era voltar a ser livre.
“Próspero – E o que você faria sozinho nessa ilha assombrada pelo diabo e castigada pela tempestade?
Calibã – Em primeiro lugar me livrar de você… Te vomitar. Você, suas bombas, suas obras. Sua toxina branca!”
Porém, Calibã logo percebeu que a autoridade que Próspero exercia só existia em função dele, Calibã. Assim, disse à Próspero que apesar dos acordos para que ele retornasse à Europa, Calibã sabia que ele não iria embora da ilha. Próspero só existia por causa de Calibã, invertendo uma lógica nas relações entre colonizador e colonizado. No momento em que entendeu que Próspero, como branco colonizador e opressor, só existia em função de sua existência, Calibã pôde inverter os papéis e finalmente estar livre em sua terra.
Uma Tempestade – Conclusão
Uma Tempestade, segundo o próprio autor, é um teatro negro. O que significa que os atores devem ser negros. Césaire, ao se aproximar do teatro de Shakespeare, rompe com vínculos coloniais. A forma violenta dos personagens, aliada à apreensão, o sofrimento físico e moral, seguem uma tradição teatral que remonta a Sófocles e Ésquilo. Nada mais apartado da tradição teatral francesa, que segue a linhagem de Eurípides, que prefere o sofrimento interior dos personagens, relembrando sempre uma ação passada. Até mesmo na escolha da forma de se manifestar, Césaire procura romper com as barreiras impostas pela colonização.
“Calibã – A sua vocação! Sua vocação é me aborrecer! E é por isso que você vai ficar aqui, como esses homens que fizeram as colônias e que não puderam mais viver em outro lugar. Um velho intoxicado, eis o que você é.”
Um livro incrível, que trata de um tema de suma importância. Calibã toma para si questionamentos e lógicas de pensamento do escravizado. Ele percebeu que tudo o que lhe foi ensinado, assim o foi por conta de uma necessidade do colonizador. Dessa forma, Calibã teve a consciência de que ele poderia ser senhor de seu destino, se autogovernar e finalmente ser livre.
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Até a próxima!