Mão na Luva
Mão na Luva

Mão na Luva

Mão na Luva

Título: Mão na Luva
Autor: Oduvaldo Vianna Filho
Editora: Temporal
Páginas: 128

Resumo do livro Mão na Luva

Oduvaldo Vianna Filho foi um dramaturgo, militante político, ator e diretor de teatro e televisão brasileiro. Desde jovem foi ligado à militância política comunista, por influência de seus pais. Ao longo de sua carreira, Vianna participou de frentes de trabalho fundamentais para a renovação da dramaturgia e do teatro como veículos de reflexões estéticas e políticas. Com a instauração do golpe militar em 1964, Vianna adotou a postura de resistência ao golpe, expressa em suas obras. Vianna deixou em sua expressão artística a ideia de que esta deveria ser entendida como primeiro passo para a luta contra o autoritarismo. Com o recrudescimento do golpe, a partir de 1968, Vianna, percebendo que seus textos eram censurados para o teatro, decidiu levar sua expressão artística para a televisão. Entre as suas principais obras está a série de televisão A Grande Família. Mão na Luva foi escrito em 1966, e encenado pela primeira vez em 1984.

Mão na Luva – História

A peça conta a história de dois personagens (Ele e Ela – que ao longo do texto conhecemos como Lúcio Paulo e Silvia). Um casal de classe média, do Brasil pós golpe militar, que vive um momento de discussão sobre o fim do relacionamento. Ele é um jornalista, editor de uma revista, bem influente no meio profissional, que vive sob intensos debates sobre uma nova revista. Ela é apenas a sua esposa, sem vida profissional. É interessante esse aspecto da peça. Enquanto Ele domina o aspecto intelectual da relação, exigindo que Ela seja subserviente, sempre concordando com as suas decisões, é Ela que é considerada a “Mão na Luva”. Aquela que se encaixa perfeitamente, exigindo o perfeito contorno para o conforto de quem a veste. Ela é a pessoa capaz de juntar e agir, responsável por engendrar a paz e garantir a sustentação da família.

“Ele – ‘Não estou bem, não vale a pena mais’, não é justo, e só isso você fala – tem de explicar, depois de nove anos você olha pra minha cara e diz de repente que vai embora, ‘não estou bem, não vale a pena’, quem fica com os filhos…”

Como discutem a relação, Ele e Ela retornam constantemente ao passado, marcado, na peça, por flashbacks. Nesses momentos, os personagens revivem situações cotidianas do passado que de alguma maneira deixaram marcas profundas na relação, e que retornam no tempo presente como forma de mágoa, mas também como momentos de alegria, pois mostram o compartilhamento de sentimentos mútuos. Da mesma forma, o tempo futuro se torna fluido, uma vez que a peça começa com uma briga, onde os personagens estão a ponto de se separar. No decorrer do texto Ela de fato sai de casa. Contudo, a peça termina da mesma forma como começou, com os personagens discutindo sobre a separação. O tempo se torna apenas um instante.

“Ela – …seis meses, todas as noites, todos os dias, sempre, sempre que ele me chamava eu ia dormir com ele, seis meses… (Ele dá um tapa nela) Carlos Felipe da Silva Portela. (Outro tapa).”

Ele não entende, a princípio, o motivo daquela separação. Repetindo discursos misóginos, Ele coloca à mesa os elementos de forma a enaltecê-lo, dizendo a Ela que o apartamento onde Ela vive, a vida que Ela e os filhos levam, as roupas que Ela veste, tudo, é fruto do trabalho dEle, e por consequência do intelecto dEle. A Ela cabe apenas as questões do dia, como o piso de madeira da casa, e com a manutenção da estabilidade não só emocional do companheiro, mas, principalmente, da estabilidade dEle como indivíduo que vive um momento de crise de paradigmas em face do trabalho, e que reflui sobre todas as expectativas daquele casamento.

Dentro do contexto de produção da peça, após o golpe militar de 1964, é fácil perceber que a crise no casamento dos personagens da peça reflete a crise exposta entre a sociedade e a classe artística. Principalmente porque vários setores da sociedade participaram ativamente para a instauração da ditadura. A crise de identidade das artes cênicas perpassa assim por dois aspectos: o primeiro remete ao público, uma vez que o teatro de contestação não era mais tão bem visto. O segundo aspecto se deve mesmo ao próprio núcleo artístico, que se desmantelou parcialmente diante da censura e das perseguições. Essa crise de existência da arte no Brasil pode ser entendida como a crise no casamento da peça.

“Ela – Que raiva me deu separar você daquela mulher, que raiva, você pensava que era por minha causa, era por você – aquela vaca. Vou embora, como? eu pensava – com criança? Solta? Como? Você sorrindo superior das minhas mesquinharias, não sair de casa, me enfeitava, alcachofra, a vaca!”

Ele traiu sua esposa, confessou no passado, por várias vezes. Ela sempre o perdoou, seja pela família, pelos filhos ou pela sociedade. Ela sempre foi o esteio de sustentação daquela família. Porém, quando o chão desaparece sob os dois, Ela assume que também traiu Ele. E para piorar: com o melhor amigo dEle, em um apartamento que Ele também usou para traí-la. Contudo, Ele não aceitou a traição. Bateu nEla por duas vezes durante a peça, sempre quando ela contava pormenores de sua traição. Temos então a figura do intelectual que trai, mas que não suporta ser traído.

Ela então decidiu sair de casa. Tentou fazer isso por duas vezes. Não conseguiu em nenhuma tentativa, e sempre quando retornou, fez sexo com seu marido. Simbolicamente, essa atitude dEla mostra que Ele e Ela compartilhavam valores e ideais, e tinham atrás de si um passado que evidenciava a existência real do amor que os uniu. Ainda restava uma chama de afeto entre os personagens. 

Mão na Luva – Conclusão

Ele e Ela são personagens emblemáticos. Ao não possuírem nome, pois são retratados simplesmente como Ele e Ela, os personagens assumem diversas posições. Mais claramente a posição de um casal em crise de relacionamento, onde o passado retorna para assombrar e a perspectiva de futuro é quase nula. Apesar de carinho e afeto, os momentos de cólera e raiva se fazem mais presentes. As personalidades dEle e dEla ficam cada vez mais inflamados, mais egoístas.

Ao mesmo tempo os personagens assumem também uma crise de existência de todo uma sociedade, que vivia naquele momento o endurecimento do golpe militar de 1964. Ele e Ela se transformam assim na classe média e na classe artística, que não conseguem mais conviver com seus anseios e interesses próprios. Passam cada uma, por si só, por crises de identidade e de existência. Uma ruptura no eixo de sustentação da sociedade. Mão na Luva assume, assim, significados diversos e fascinantes.

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