Os Sertões
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Os sertões

Título: Os Sertões
Autor: Euclides da Cunha
Editora: Martin Claret
Páginas: 442

Resumo do livro Os Sertões

Como escrever sobre um livro que se apresenta completo em seus significados? Essa é a pergunta que surge após a leitura de “Os Sertões“. O autor nos coloca em uma situação contraditória: ao mesmo tempo em que estamos sentindo a boca seca pela sede, e o cheiro de sangue e morte no ar, tal qual os soldados em batalha; parece que estamos assistindo a tudo do alto, de longe o suficiente para entender os pormenores das decisões e vislumbrar todos os horrores do combate.

Essa é a história dos vencedores. De um pedaço da rica História do Brasil escrita com a ponta da baioneta. Um Brasil longínquo e inóspito. O Brasil da seca e da fome; do misticismo e da miscigenação; da religiosidade e do desamparo. O embate entre o Brasil real e o Brasil oficial. O livro fala por si.

O cenário

“Dos breves apontamentos indicados resulta que os caracteres geológicos e topográficos, a par dos demais agentes físicos, mutuam naqueles lugares as influências características de modo a não se poder afirmar qual o preponderante. Se, por um lado, as condições genéticas reagem fortemente sobre os últimos, estes, por sua vez, contribuíram para o agravamento daquelas; – e todas persistem nas influências recíprocas. Deste perene conflito feito em círculo vicioso indefinido, ressalta a significação mesológica do local. Não há abrangê-la em todas as modalidades. Escasseiam-nos as observações mais comuns, mercê da proverbial indiferença com que nos volvemos às coisas desta terra, com uma inércia cômoda de mendigos fartos.”

“O nordeste persiste intenso, rolante, pelas chapadas, zunindo em prolongações uivadas na galhada estrepitantes das caatingas e o sol alastra, reverberando no firmamento claro, os incêndios inextinguíveis da canícula. O sertanejo, assoberbado de reveses, dobra-se afinal.”

Os personagens

“De sorte que, hoje, quem atravessa aqueles lugares observa uma uniformidade notável entre os que os povoam: feições e estaturas variando ligeiramente em torno de um modelo único, dando a impressão de um tipo antropológico invariável, logo ao primeiro lance de vistas distinto do mestiço proteiforme do litoral. Porque enquanto este patenteia todos os cambiantes da cor e se erige ainda indefinido, segundo o predomínio variável dos seus agentes formadores, o homem do sertão parece feito por um molde único, revelando quase os mesmos caracteres físicos, a mesma tez, variando brevemente do mameluco bronzeado ao cafuz trigueiro; cabelo corredio e duro ou levemente ondeado; a mesma envergadura atlética, e os mesmos caracteres morais traduzindo-se nas mesmas superstições, nos mesmos vícios, e nas mesmas virtudes. O sertanejo do norte é, inegavelmente, o tipo de uma subcategoria étnica já constituída.”

“A mistura de raças mui diversas é, na maioria dos casos prejudicial. Ante as conclusões do evolucionismo, ainda quando reaja sobre o produto o influxo de uma raça superior, despontam vivíssimos estigmas da inferior. A mestiçagem extremada é um retrocesso. De sorte que o mestiço – traço de união entre as raças, breve existência individual em que se comprimem esforços seculares – é, quase sempre, um desequilibrado.”

“Insulado deste modo no país, que o não conhece, em luta aberta com o meio, que lhe parece haver estampado na organização e no temperamento a sua rudeza extraordinária, nômade ou mal fixo à terra, o sertanejo não tem, por bem dizer, ainda capacidade orgânica para se afeiçoar a situação mais alta. O círculo estreito da atividade remorou-lhe o aperfeiçoamento psíquico. Está na fase religiosa de um monoteísmo incompreendido, eivado de misticismo extravagante, em que se rebate o fetichismo do índio e do africano. É o homem primitivo, audacioso e forte, mas ao mesmo tempo crédulo, deixando-se facilmente arrebatar pelas superstições mais absurdas.”

“Considerando em torno, o falso apóstolo, que o próprio excesso de subjetivismo predispusera à revolta contra a ordem natural, como que observou a fórmula do próprio delírio. Não era um incompreendido. A multidão aclamava-o representante natural das suas aspirações mais altas. Não foi, por isto, além. Não deslizou para a demência. No gravitar contínuo para o mínimo de uma curva, para o completo obscurecimento da razão, o meio reagindo por sua vez amparou-o, corrigindo-o, fazendo-o estabelecer encadeamento nuca destruído nas mais exageradas concepções, certa ordem no próprio desvario, coerência indestrutível em todos os atos e disciplina rara em todas as paixões, de sorte que ao atravessar, largos anos, nas práticas ascéticas, o sertão alvorotado, tinha na atitude, na palavra e no gesto, a tranquilidade, a altitude e a resignação soberana de um apóstolo antigo.”

“O jagunço é tão inapto para aprender a forma republicana como a monárquico-constitucional. Ambas lhe são abstrações inacessíveis. É espontaneamente adversário de ambas. Está na fase evolutiva em que só é conceptível o império de um chefe sacerdotal ou guerreiro.”

Antônio Conselheiro

“Foge-lhe a mulher, em Ipu, raptada por um policial. Foi o desfecho. Fulminado de vergonha, o infeliz procura o recesso dos sertões, paragens desconhecidas, onde lhe não saibam o nome; o abrigo da absoluta obscuridade.”

“… E surgia na Bahia, o anacoreta sombrio, cabelos crescido até os ombros, barba inculta e longa; face escaveirada; olhar fulgurante; monstruoso, dentro de um hábito azul de brim americano; abordoado ao clássico bastão, em que se apoia o passo tardo dos peregrinos.”

“No seio de uma sociedade primitiva que pelas qualidade étnicas e influxo das santas missões malévolas compreendia melhor a vida pelo incompreendido dos milagres, o seu viver misterioso rodeou-o logo de não vulgar prestígio, agravando-lhe, talvez, o temperamento delirante.”

“Ele ali subia e pregava. Era assombroso, afirmam testemunhas existentes. Uma oratória bárbara e arrepiadora, feita de excertos truncados das Horas Marianas, desconexa, abstrusa, agravada, às vezes, pela ousadia extrema das citações latinas; transcorrendo em frases sacudidas; misto inextrincável e confuso de conselhos dogmáticos, preceitos vulgares de moral cristã e de profecias esdrúxulas. Era truanesco e era pavoroso. Parco de gestos, falava largo tempo, olhos em terra, sem encarar a multidão abatida sob a algaravia, que derivava demoradamente, ao arrepio do bom senso, em melopéia fatigante.”

“Espécie de grande homem pelo avesso, Antônio Conselheiro reunia no misticismo doentio todos os erros e superstições que formam o coeficiente de redução da nossa nacionalidade. Arrastava o povo sertanejo não porque o dominasse, mas porque o dominavam as aberrações daquele. Favorecia-o o meio e ele realizava, às vezes, como vimos, o absurdo de ser útil. Obedecia à finalidade irresistível de velhos impulsos ancestrais; e jugulado por ela espelhava em todos os atos a placabilidade de um evangelista incomparável.”

“Pregava contra a República: é certo. O antagonismo era inevitável. Era um derivativo à exacerbação mística; uma variante forçada ao delírio religioso.”

O combate

“Mas a luta sertaneja começara, naquela noite, a tomar a feição misteriosa que conservaria até o fim. Na maioria mestiços, feitos da mesma massa dos matutos, os soldados, abatidos pelo contragolpe de inexplicável revés, em que baqueara o chefe reputado invencível, ficaram sob a sugestão empolgante do maravilhoso, invadidos do sobrenatural, que extravagantes comentários agravavam. O jagunço, brutal e entroncado, diluía-se em duende intangível.”

“Era uma nevrose doida. A grande peça – o maior cão de fila daquela montaria – fez-se monstruoso fetiche desafiando o despertar de velhas ilusões primitivas. Rodeavam-no ofegantes, ansiosamente, mal reprimindo o desapontamento das trajetórias desviadas, toda a espécie de lutadores.”

“Os novos expedicionários ao atingirem-no perceberam esta transição violenta. Discordância absoluta e radical entre as cidades da costa e as malocas de telha do interior, que desequilibra tanto o ritmo de nosso desenvolvimento evolutivo e perturba deploravelmente a unidade nacional. Viam-se em terra estranha. Outros hábitos. Outros quadros. Outra gente. Outra língua mesmo, articulada em gíria original e pinturesca. Invadia-os os sentimento exato de seguirem para uma guerra externa. Sentiam-se fora do Brasil. A separação social completa dilatava a distância geográfica; criava a sensação nostálgica de longo afastamento da pátria.”

“A vida no arraial tornou-se então atroz. Revelaram-na depois a miséria, o abatimento completo e a espantosa magreza de 600 prisioneiras. Dias de angústias indescritíveis foram suportados diante das derradeiras portas abertas para a liberdade e para a vida. E permaneceriam para todo o sempre inexplicáveis, se, mais tarde, os mesmos que os atravessaram não revelassem a origem daquele estoicismo admirável. É simples. Falecera a 22 de agosto Antônio Conselheiro.”

O fim

“Canudos tinha muito apropriadamente, em roda, uma cercadura de montanhas. Era um parêntesis; era um hiato. Era um vácuo. Não existia. Transposto aquele cordão de serras, ninguém mais pecava. realizava-se um recuo prodigioso no tempo; um resvalar estonteador por alguns séculos abaixo.”

Indico o filme Sobreviventes – Filhos da Guerra de Canudos, de 2004.

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Os Sertões

Até a próxima!